domingo, 8 de junho de 2008

Brumas da Paixão - O Visitante


Lua parágrafo único que inicia minha vida, monumento inatingível por mortais, incompreendida talvez... Porém bastante apreciada por amantes.

Olhares irrequietos para os raios lunares... São mortais que não conhecem a si mesmos e desprezam, com ignorância, o conhecimento dos tempos e eras que não voltam mais...

Andando por essas ruas, apreciando as belezas noturnas, e soturnas, dessa cidade chamada Belém do Pará até me esqueço do dia em que cheguei aqui, penso nessa gente tão amigável, e tão simples... Incompreendidos, sim! E muitas vezes rotulados de ignorantes! Todavia simplórios como as aves do início de meu caminhar, já entristecidas pelo entardecer!

Penso no que pensam sobre mim... E sei que sua ignorância abundante, nessas e em muitas horas, é uma benção... Alguém rotularia, ou me taxaria pelo que sou? Poucos sabem da verdade... De veras, hoje, nenhum humano! Só os de minha raça, e os que compartilham de sinas semelhantes... Nossas afinidades nos unem como Gohan de primeira qualidade... É incrível como essa distração, causada pelo envolvente espírito dessa terra, me faz esquecer de inesquecíveis dias... De certo a cabeça de um mortal é incapaz de gerar tal informação, ninguém sabe o que é nunca mais ver um raio de sol... Ou sentir o sabor da culinária humana... Ou, até mesmo, ficar doente! Até que Bran Stoker tinha razão quando escreveu que Drácula só sentia o gosto de sangue e absinto. Bebida forte aos humanos, e muito suave para nós! Não essa água esverdeada que vendem no Brasil, mas o doce e suave gosto da Fada Verde Absíntica das mórbidas terras inglesas de Conde Wladmir Dracul, vulgo Conde Drácula para uma maioria significativa dos fãs do livro do Irlandês Stoker.

Cada dia que vivi, depois que morri, parece um remendo... Um ponto solto no tricô universal... Trevas eternas sobre minha face... O mundo tem outras cores p’ra meus olhos imortais... Novos cheiros e sons revelam-se na escuridão eterna de meu viver... Vi exércitos sucumbindo... Presenciei nações inteiras caindo... Líderes perdendo o controle sobre suas próprias vidas, mergulhando de cabeça no mais absoluto nada do inconsciente de suas próprias loucuras... Sanidade? Em determinadas horas dessa vida maldita ela é a verdadeira benção!

Em minha longa jornada, já tinha eu muitos séculos de vida quando cheguei à Espanha. Eram tempos tumultuados, o Renascimento tomava conta do pensamento do povo o iluminismo era o alicerce para o ego da humanidade, em breve ele se espalharia pelo mundo como uma praga, era só uma questão de tempo... Com minha experiência ficava clara tal percepção!

Sujo... O mundo se tornaria ainda mais repulsivo! A ganância sempre foi o alimento da destruição humana. Tudo o que tornava a vontade do homem forte, era o que destruía-o lentamente através dos séculos!

Quando o mercantilismo começou, e a idéia de que o homem era o centro absoluto do universo se espalhava pelo Velho Mundo, vi claramente que os portais da oportunidade humana cresciam assim como o ego de alguns imundos e tolos nobres europeus. Cruzava o continente da Europa em busca d’aquilo que me completasse. Presenciei várias descobertas e avanços científicos. Estava lá, quando Galileu disse: “No entanto... Ela gira!”. Sutil e verdadeiro, um homem de valor para a humanidade. Pena que não sabiam disso. Fui um Templário também, dentro dos devaneios de minha mente ainda me lembro daqueles tempos. Para os que sempre moldaram nossa forma hipocritamente longe da Cruz do Cristo isso é, realmente, um chute nos culhões. Eu sei, eu estava lá quando Ele foi crucificado... Fui transformado bem antes disso... Por Caim.

Morei em Gomorrah sem compartilhar de certos atos imbecis de meus conterrâneos. Talvez, por isso, tenha presenciado sua destruição por ordem divina. Quer saber? Ele estava absolutamente certo. Está certo até mesmo quando se lê: “... Arrependeu-se Deus...”. Ele é inefavelmente correto, o que não O impede de arrepender-se do que quer que seja.

Enfim, quando eu soube que uma expedição partiria de terras espanholas financiada pela coroa inglesa, comandada por um navegador espanhol, um sonhador chamado Cristóvão Colombo que dizia que a Terra era redonda, e não era uma camada de terra plana sustentada por elefantes, que ficavam sustentados por uma enorme tartaruga erguida por um gigante... Humanos, quando vão evoluir?! Enfim, descobririam que o planeta não era assim?! Hipócritas cretinos! Quando vão olhar para o espírito e para o Universo e descobrir que eles são como são, e não como vocês querem que eles sejam?!... Bem... Isso é mais um de meus devaneios um tanto quanto revoltados, um desabafo de minha alma andarilha.

Continuando... Vi uma oportunidade grandiosa naquele sonhador. P’ra confessar... Fui eu quem convenceu a rainha de que Colombo era confiável... Afinal de contas, eu era uma espécie de “conselheiro” noturno da rainha da Inglaterra. Eu conhecia os escritos antigos de Enoch, e já sabia que a Terra era redonda.

Eu queria e sabia que deveria embarcar n’aquela empreitada mercantilista e descobrir uma nova vida. Lembro que pensei no quão diferente seria a noite d’aquele lugar propenso a ser descoberto... Achei até que encontraria meu fim se fosse um pedaço do paraíso... Mas minhas idéias perdiam-se no imenso e infinito crepúsculo de minhas noites. Providenciei para que meu caixão fosse embarcado sorrateiramente em uma das caravelas. Fui muito generoso com o marujo que me ajudou, paguei-o muito bem... E deixei-o viver. Escolhi embarcar em Santa Maria. Santa caravela que carregaria meu leito de sangue e morte.

Apesar de ter servido a Cruz da Razão Verdadeira, minha felicidade morreu quando morri para vida. Na verdade, depois de refletir muito sobre o que me teria feito servir a ordem Templária fundada por José de Arimatéia, cheguei a conclusão de que eu queria me segurar em um motivo para existir. A tristeza tomou conta de minha mente, mas aprendi a grande diferença entre “Viver” e “Existir”, e vi que todos passam por isso... Mais cedo ou mais tarde.

Embarquei clandestinamente na santa caravela como morcego. Estranhei que não estranhassem minha presença, escondi-me muito bem durante o dia. Escondi-me do Sol e de olhares curiosos. Escondi-me dentre a tripulação faminta. Escondi-me dentre a carga. Alimentei-me de sangue de ratos. Saciei meus desejos e necessidades com sonhos e esperança. Estanquei minha fome pelo medo de não ser digno de pisar em solo sagrado. Sim, esse gélido coração que não bate mais em meu peito ainda pôde ser alimentado por esperança e sonhos mortais.

Era 1492, um ano difícil, uma viagem atribulada, a tripulação agitada se perguntava sobre as intenções egoístas de Colombo. Rezei para que Deus o ajudasse. Sim, eu rezo... E acredito em Deus... Gomorrah e Sodoma, lembram-se? O mar morto está aí, não é mesmo? Mas, voltando... Aquele corajoso sonhador, aliás, o que seria do mundo sem seus sonhadores? Aquele nobre e ambicioso espanhol precisava de auxílio divino para continuar vivo. Para evitar um motim eminente.

Não demorou muito para vir uma resposta, e ela foi: “Terra à vista! Terra à vista!”. Um milagre a um passo do paraíso. O que se esperar? O penoso foi ver no que se tornou aquele pedaço do céu que me aceitou... Embrenhei-me na mata... Saciei minha fome de sangue humano... Comuniquei-me com os nativos... Procurei meu subordinado e levei meu leito até o soturno daquela selva, quando Qisuke, o Deus criador para aquele povo, estendia o seu grandioso manto de trevas sobre os céus.

Vi a corrupção humana destruir aquele local aos poucos... Estraçalhar aquela raça vermelha com o fel de sua loucura imperialista... A tristeza por aquele povo consumiu-me violentamente... Estraçalhei vários pescoços pelas almas dos inocentes que tinham ido... Dos inocentes que me acolheram... Que puderam, por um momento, me dar paz. Os europeus ficaram confusos e amedrontados com o que estava fazendo, e para acalmá-los, os nativos colocavam a culpa nos espíritos da natureza. Diziam que eles estavam enfurecidos pela corrupção que havia chegado até ali oriunda do Velho Mundo. Por mim, teria acabado com todos, um por um e dado seus corpos ao mar e para algumas tribos antropofágicas, mas um Shaman, um velho amigo, em toda sua sabedoria disse-me que os espíritos anunciavam uma grande e dolorosa mudança pr’aquele mundo, e que sendo assim, não deveria interferir... Voltei a minha consciência e embrenhei-me na mata com meu caixão no ombro... E caminhei... Por dias... Anos... Alimentando-me de nativos e animais. Até chegar, no que hoje é conhecida como América do Sul... Brasil... Bahia... Porto Seguro.

Vocês já sabem... Depois dos Espanhóis... Uma expedição partiu de terras portuguesas, comandada por Pedro Álvares Cabral, com a desculpa de encontrar um novo caminho para as Índias - desculpa porque a coroa portuguesa achava mais prudente encobrir a existência de tais terras aos demais nobres europeus pela submissão que Portugal tinha em relação aos outros países do continente... Eu sei... Fiquei sabendo... A bela dona de um dos pescoços mais macios que passaram por minhas presas me confessou antes de nos deleitarmos do néctar lascivo de Afrodite.

Cabo da Boa Esperança?... Terra de Santa Cruz?... Missas?... As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá?!... Cretinos! Os pescoços que aqui cortamos, não cortamos como lá! Seria bem melhor... Seria mais verdadeiro, não é?

Mais anos se passaram... Não precisava me esconder nas matas e ser encobertos pelos nativos. Minha alva pele não era estranhada por aquela gente. Eram portugueses. Sempre foram um tanto quanto desligados. Sua submissão aos outros povos da Europa era uma prova incontestável disso.

Fiz algumas amizades, e acompanhei algumas expedições... Para controlá-los, é claro! Dentre elas, as que subiram o litoral da costa brasileira para expulsar os invasores. Finalmente tinha alguma coisa em comum, com os primeiros invasores. Tivemos sucesso. Fundaram-se vários Fortes litorâneos, e, eu me apaixonei por... Belém. Bem... Esse nome me lembrava Jesus de Nazaré, e pra mim... Era um sinal... Poder nascer numa terra com o mesmo nome da terra que acolheu o berço Salvador, e como ele, meu nascimento também foi acompanhado por animais... Um estábulo na Palestina... Numa simplória manjedoura... Na floresta amazônica... Sob a terra pantanosa às margens da baia do Guajará.

Entendi o meu destino... Minha sina... Minha benção... Minha maldição... Aprendi que o mais importante não é quantas vezes se morre, ou se erra, e sim quantas vezes você é capaz de renascer melhor por dentro. Aprendi que não se pode conhecer a verdadeira luz sem antes saber o real significado de trevas. Vi o quanto as pessoas podem amaldiçoar tudo o que lhes acontece... Vi, se bem que não gostaria de ter visto, o quanto as pessoas acham que valem suas vidas.

O homem é frágil e egoísta. De certo é pelo seu esquecimento a humanidade esteja atrasada e amargosamente ferida de morte, prova incontestável disso é que, se não fosse assim civilizações antigas como Lemúria, Atlântida e Khimer Ankhor jamais teriam sido esquecidas. Suas culturas teriam sido incorporadas pela civilização de hoje. Assim o mundo tornar-se-ia realmente maduro e belo e não essa besta deformada que está aí hoje. O mais engraçado é que o segredo está no equilíbrio entre o egoísmo sentimental e a necessidade grupal que o homem possui em sua alma.

É bem mais fácil destruir, ou desistir, amaldiçoar, ou desesperar-se, no vocabulário humano, ao invés de construir e galgar algum degrau da escada da evolução e do aprendizado da vida com algum ensinamento que lhes foi passado em forma de descontentamento e agonia. Desta forma, a mais triste e penosa de todas as lições é ter que conhecer um homem que não conhece a si mesmo, e agüentar as asneiras oriundas de pessoas que acham que o “Todo Universal” se resume à imundícia iludida de suas mentes. Bem... Mas isso é só mais um de meus devaneios... De minhas tristezas solitárias... Tristezas de um inerte coração milenar solitário...

Belém tem um ar especial... Utópico... Mesmo no centro da cidade. Sinto-me seguro no meu Pub. Abrimos de noite. Fechamos de dia. Até o nome deixei que meu “sócio” escolhesse... “Lord Sun”. Interessante? Também acho. Bem, vou dormir agora. O sol já está quase p’ra sair. Vamos trocar de turno? Você sobe... Eu desço? Irônico? Eu não acho. Vocês acham que nós sonhamos?