quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Palavras de um amigo do Norte Gelado...

“... Acho que tem algo haver com a caminhada e nada haver comigo mesmo. Sim, mas isso é uma coisa boa...

Poderia realmente provar salvar sua vida. (Você nunca sabe realmente destas coisas, não é? Acho... que não...).

O número 3000 será de sorte então. Eu deveria, talvez, deixar um outro tipo de recompensa pra você, quem quer que você venha a ser.

Ok, aqui vamos nós! HA! Você pode ir e fazer um pequeno passeio em torno de sua casa. Isso vai te trazer algo de bom. Não se esqueça de aquecer primeiro. Confie em mim... talvez eu esteja por lá também...

Ok, melhor eu começar a fazer alguma coisa ... divertida. Talvez escrever uma canção...”

domingo, 21 de setembro de 2008

Brumas da Paixão: Luzes apagadas

Sabem o que são passos pequenos? Aqueles passos de menino que ainda não sabe onde Papai Noel mora, ou como o Coelho da Páscoa põe seus ovos, ou até mesmo como faz a pobre Mula-sem-cabeça pra enxergar? Não?! Bem... Era exatamente o som de passos assim que se ouviria ali se estivesse alguém mais naquele lugar onde ele andava admirando a lua e a luz com a qual a dama da noite presenteava aquele gramado... Ele estava perdido? Ele nem queria saber disso. Ele não estava preocupado porque tinha certeza de que a lua estava olhando pra ele... E ele era muito esperto!
Aquele pequenino e intrépido explorador saíra de casa por aquela porta pra descobrir um mundo novo. Aquele mundo que só fadas, duendes e gnomos conheciam, e ele também, claro! Estava equipado com sua fiel mochila onde levava todos os trecos especiais que um grande explorador precisaria pra uma missão tão grande e nobre quanto à dele. Uma lanterna de duas pilhas, um estilingue de calibres múltiplos e que jamais errava, sua capa mágica amarrada no pescoço, que ainda estava úmida por conta da magia que fizera no seu pós-banho, duas barras de chocolate meio amargo que pegou da gaveta de sua mãe durante uma de suas aventuras, algumas balas de yogurte que gostava tanto, daquelas que seu pai guardava dentro do orbe mágico que ficava em cima da escrivaninha da biblioteca de sua casa, alguns gibis pra sua cultura própria, uma lata de espinafre que ele jamais iria comer, mas que esperava que lhe oferecesse força mesmo assim, um velho rádio sem pilhas que já não cantava nada, porque ele tinha concertado pra servir-lhe de comunicador interestelar, e um punhado de moedas que se ele tivesse parado pra contá-las depois que sacrificou seu porquinho pela nobre causa de sua busca, poderiam ser trocadas por uma nota de adulto... Ele tinha certeza disso... Era esperto demais... Era um exímio explorador!
Aqueles passos pequenos e firmes... Corajosos até... Enfrentavam aquela escuridão absoluta auxiliados por uma poderosa lanterna que carregava a luz do sol. Ele era um nobre desbravador de uma experiência invejável. Já tinha sido várias coisas no decorrer de seus longos quatro anos de vida: super-herói, bombeiro, médico, piloto de espaçonave, pirata do caribe, cavaleiro de armadura dourada, menino encolhido pelo “pai-cientista-maluco”, que, aliás, nessa ocasião domou milhões insetos, voou em todos os tipos de besouros do mundo e mandou uma barata assustar a mãe na cozinha, foi astronauta também e voava em gansos e cometas como um amigo que conheceu um dia, e mais um monte de infinitas coisas que o enchiam de orgulho!
Ele entrou na floresta depois de cruzar aquela estreita ponte de madeira. Ele ouvia as árvores falando, tinha certeza disso e até falava “arvorês” fluentemente, mas era uma pessoa pública e estava numa importante missão. Por isso, desejou só uma boa noite e continuou seu caminho. Sentiu, por um momento, falta de seus amigos bichos. Até ficou com vontade de ir à casa de dona coruja, mas, era tarde e ele se atrasaria no caminho de sua empreitada que revolucionaria o mundo. Parou por um instante pra averiguar o mapa que havia desenhado antes de sair de casa a fim de procurar o mundo que só fadas, duendes e gnomos conheciam, e ele também, claro! Foi nessa hora que escutou:
- Olá! – Disse aquela voz de menina-do-sorriso-mais-lindo-que-ele-já-tinha-visto-em-toda-sua-vida.
- Olá! – Respondeu o maior de todos os exploradores do universo.
- Você está perdido? – Disse aquela menina de cabelos de pôr-do-sol, os olhos da cor do céu de domingo e o vestido brilhante como a lua branca e tênue.
- Jamais! Você não sabe quem eu sô? Eu nunca me perco!
- Não sei, não... Quem você é?
- Você num vê muita tevelisão, não é?
- O que é isso?
- Isso o quê?
- Tevelisão!
- Ah, é onde passa novela... Jornal... Desenho... E um monte de gente, falando um monte de bestêra!
- Você fala bestêra na tevelisão?
- Nãããooo!!! Iiiiiiiiii... Tu é burra, hein? Eu sô u maior explorado do u-ni-ver-so!
- Iiiii... É? E você vai explorá o quê?
- Eu vô achá o mundo que só fadas, duendes e gnomos conhecem, e eu também, claro!
- Posso i com você?
- Pode! Vâmu?
E eles continuaram na fantástica aventura. A mais fantástica aventura de todo o mundo. Subiram montanhas feitas de chocolate. Atravessaram rios feitos de suco de laranja. Andaram nas nuvens feitas de algodão doce... Bem que ele sabia que eram de açúcar... Ficou imaginando se a lua era feita de queijo como diziam por aí ou de sonhos como ele achava que era. Ele voou em dragões míticos. Domou unicórnios maravilhosos. Achou estrelas que caíram do céu e as devolveu a mãe lua. Astuto, roubou uma cesta de maçãs envenenadas quando escutou de uma bruxa que eram pra alguma menina que ele não conseguia lembrar o nome, e as jogou num rio porque achou que não havia coisa melhor a fazer. Deram uma peruca e duas tapas na bunda da mula-sem-cabeça, um chinelo de dedo pro curupira, um par de sapatos pra um saci, um livro de auto-ajuda pra uma alma penada, um DVD “como parar de fumar” pra Matinta Perêra, e mais um monte de estripulias serelepes que só poderiam ser elaboradas por mentes brilhantes como a desse velho, exímio, intrépido e famosíssimo explorador de mundos. No final ele conseguiu as duas coisas que mais desejou durante sua empreitada... Encontrou o mundo que só fadas, duendes e gnomos conheciam, e ele também, claro!... E andou de mãos dadas com aquela menina que encontrou no bosque quando foi observar seu mapa, e quando olhou pra ela lembrou que havia esquecido o mapa bem naquela ocasião, mas não se preocupou, porque ele nunca se perdia e, ainda por cima, estava na companhia dela. Eles sentaram no alto de um penhasco pra ver o pôr-do-sol e viram o quão lindo era aquele mundo. Era o mundo onde todas as coisas esquecidas pelo homem viviam. O lugar das coisas mais simples da vida. Com montanhas feitas de esperança. Um ar feito de bondade. Planícies de verdade e desapego. Rios e rios, oceanos até, de caridade. Nuvens feitas de risos. Tudo iluminado por um sol feito de purezas, uma lua feita de sonhos e estrelas que tinham um brilho fantástico de compaixão. Um lugar tão simples e belo quanto aqueles passos leves, firmes e corajosos... Aqueles passos pequenos que chegavam mais longe. Então a menina disse:
- Preciso ti contar uma coisa.
- Pode falar... – Retrucou o grande explorador.
- Vou crescê junto com você, sabia?
- Crescê? O que é isso?
- Ah, é um monte de conta pra pagá... Pêlo pra todo lugá... Estudu... Trabalhu... Boca pra dá di comê... Briga pra aturá... Filhu pra criá... Ixi... Mais um moooonte de coisa!
- É ruim?
- Não... Só fica ruim porque muita gente esquéci disso!
- Esqueci di quê?
- Di quê um dia viu o mundo tão lindo quanto estamus vendu agora...
- É?
-É!... Mas agora você precisa dormi...
Foi aí que o pai levantou e apagou as luzes.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Brumas da Paixão: Lembranças Paternas

Chove bastante. De longe vê-se em pé num cemitério rasteiro, a sombra de um homem vertendo gotas que salgam a água que o refresca. Ele não se importa. está estático. Olhando vaziamente pra dentro de sua alma e fixo a uma lápide. Desenhado naquele mármore dizeres sinceros escritos para a eternidade: antonio de magalhães wolf. Pai e família. Amigo e mestre. Bem amado. Descanse em paz.
- ainda lembro. – pensou John matthews Wolf, remoendo lembranças de um passado tão perto de si que ainda o sentia...
Era chuva que descia do céu, eu sei... Mas pareciam navalhas que cortavam meu coração sem piedade... Devagar eles desciam meu pai naquela cova, vestido elegantemente pra festa que o aguardava aonde quer que deus o estivesse levando. Ele fora um ótimo pai e tutor. Foi um português exemplar com um coração de ouro. ele amou uma inglesa. Meu deus, velho... tomara$ que vocês se encontrem novamente. Eu sei o quanto se amavam... sou prova viva disso... porra...
O silêncio acomoda-se no ar até ser quebrado pelo som quieto e cinzento de uma gota de chuva... Hoje completa um ano e Essa velha chuva continua afiada como no dia em que você partiu, pai... cortando meu coração...
em vão, eu sei, mas tento acender um cigarro de bali... pelo menos ele essa chuva não queima. Até mais, velho... sinto saudades... como um poeta sente falta de sua pena... caralho... é foda... táquiopariu...
Parado ali, john tem uma visão. É uma recordação de alguns dias, que ele não sabe precisar bem quantos o são, depois que seu velho pai faleceu... Ele está numa igreja, quando se dá conta, afinal... não tinha mais nada que aquele lugar pudesse ser... observou que existiam milhares de pessoas assistindo a um culto. Escutando um homem de fala singela atrás de um púlpito. Antes que consiga decifrar o que a figura falava, ele escuta palavras aveludadas a seu lado. Um homem jovial, ruivo e com olhos esverdeados lhe diz:
- tudo bem com você, john?
- sim, onde estamos? – pergunta Matt com uma estranha sensação familiar lhe entrando pelos olhos.
- estamos numa igreja.
- nããããoooo!!! Sério??? Não me diga... ACHEI QUE FOSSE UM AÇOUQUE... olha se não fosse você, eu não sei o que seria de mim. Ainda mais sem essa informação...
- heheheheheehehe... a estadia nesse planeta está lhe fazendo bem, não é mesmo? Siga-me.
Matt sai daquele lindíssimo templo azulado que se destaca no meio de um céu cinzento. A lua, ou o que se parece com ela... Na verdade, dali parecia um botão desbotado e solitário num longo pano de chão sujo e úmido... Foda-se!... Pensou...
Quando Matthews leva seus olhos pra contemplar o resto da paisagem vê um gigantesco e extenso rio de águas negras que despeja suas brumas na atmosfera pesada e desconcertantemente relaxante daquele lugar. A TERRA, ELE PERCEBE, É SEPARADA DAS ÁGUAS POR UM BARRANCO INGRIME E PEGAJOSO. PONTES ESTREITAS E EXTREMAMENTE COMPRIDAS LEVAM INCONTÁVEIS PESSOAS ATÉ BARCOS COMO OS DE MISSISSIPI. BARCOS QUE VÃO E VEM A TODO INSTANTES. PARECEM INFINÍTOS EM SUA FROTA. John observa...
- Ô RUIVO. DESCULPA A BRINCADEIRA DE ANTES, MAS ME DIGA POR FAVOR, CARA. QUE LUGAR É ESSE?
- É O UMBRAL, John. Um dos lugares que o demiurgo preparou pra passagem das almas dos homens.
- e aqueles barcos?
- bem, aqueles barcos são os transportes que levam as almas a seus destinos. Afinal de contas, aqui é só a entrada.
- nossa... e tem gente que pensa que é um barquinho com uma caveirinha que rala por uns trocados.
- o quê você disse?
- nada. Esquece. Devaneios... Enfim, como vim parar aqui?
- diga-me você, John... O que viestes fazer aqui? Já reparastes que estás descalço?
- ô, caralho!!! – John olha seus pés descalços e percebe que veste um terno e camisa brancos.
- heheheheheeh... Assustou?
- pelos mares etéreos de netuno... – quase diminuindo o tom de sua voz e aumentando seu espanto John observa que entre o barranco e o rio existe uma lama negríssima e nessa lama ele vê uma figura familiar, melhor dizendo... Paternal...
- paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai!!!!!
Desesperado Matthews desce o barranco deslizando, tropeçando e levantando velozmente.
- não saia de perto de mim garoto! Joooooooooooooooohn!!!
- fooooooooooooooooooooda-se!!!! Paaaaai!!! Paaaaaaaaaiiii!!!
Ao chegar até seu pai Matt percebe que além de não tem se sujado ele não afunda na lama, enquanto seu pai parece inconsciente, mesmo de olhos abertos, e atolado na lama até a altura do peito. John só vê a cabeça e os braços de seu pai quando se joga no chão e dá tapas no rosto de seu genitor...
- pai?? Paaaii??? Acorda pai!!! Bora, velho acooooorda!!! Vamos sair daqui, porra!!!
John levanta e agarra seu velho pai pelas axilas tentando puxá-lo da lama. Inútil... é pesado em demasia...
- merda... porra... caralho...
Lágrimas começam a verter de seus olhos molhando seu rosto.
- pai... Meu deus, meu pai eterno. Elohim bendito. Santo é teu sagrado nome que carrego comigo... Deus pai... Deus filho... E deus espírito santo... Redentor e salvador... Criador e destruidor... Deus terrível... Sem ti, o que sou? Sem ti, não posso nada... Mas com o senhor... Eu posso tudo! Dê-me forças para fazer o que tenho que fazer... Dá-me forças paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaii!!!
O grito ecôa pela entrada do umbral inteira. As pessoas sonolentas em ritmo hipnotizante viram seus rostos por um momento ao que está acontecendo. Atos, o ruivo, desaparece com um sorriso em seu rosto. O corpo de Antônio Wolf começa a sair da lama. Matthews reluz magnificamente, iluminando o umbral como um sol raiando no crepúsculo da manhã tropical.
- pai?
Antônio continua desacordado, mas agora está no colo de seu filho que flutua inconsciente de tal fato até um dos barcos onde o senta e diz:
- vai ficar tudo bem agora, pai. Agora está tudo certo. O senhor pode seguir em frente. Seguir seu ciclo. Seu próprio curso...
Ainda inconsciente de que flutua sobre as águas, Matthews vê seu pai afastar-se naquele barco junto com muitos que vão em busca de auxílio. Contrário àquilo, consciente, ele deixa sair de sua boca:
- obrigado, meu deus... Meu pai... Meu tudo...
E uma lágrima o acorda.
Em seu quarto o jovem john matthews pergunta-se:
- foi só um sonho?
No cemitério ele responde com palavras úmidas de chuva:- eu sei que não. Obrigado atos. As coisas são sempre assim por aí, mas nunca entendemos. Entes queridos que se vão. Pessoas boas. Mas é só um novo começo de uma velha estrada que se chama existência. É hora de ir, velho. Vou nessa pelos mesmos meios escusos de sempre. Te cuidaê, pows! – ele acende um cigarro.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Brumas da Paixão: Vinho da meia-noite

Era de dia, ou de noite... Não me lembro... Tinham muitas brumas no caminho e era um frio cinzento como um pano de chão já muito usado. O cheiro era pesado e familiar como roupa suja... Eu estava num portão de ferro rubro e retorcido como bronze triste. As vozes que há muito me acompanhavam lamentosas e sem sentido ficaram pra trás como a sanidade que alicerçava tudo o que pensava a respeito da vida... Tinha dezoito anos e estava no inferno.
Como fui parar ali? Nem me pergunte. Era jovem e inocente... Talvez curioso e desleixado, mas estava acompanhado. Na época sonhava com uma mulher, ora... Quem não sonha? Eu sonhava com várias, mas essa era diferente em completo. Eu tinha visões com ela e sonhos em demasiado como se em algum lugar, ou lugar algum, ela crescesse comigo. Pensava, me lembro bem, que era minh’alma gêmea, um amor futuro de certa parte de um passado ainda borrado... Quem pode me culpar por isso? Quando jovens nós idealizamos cada merda... Alma gêmea... hehehehehehehe... Uma desculpa pra aceitarmos nossas incapacidades de compreender o outro... Você é minha alma gêmea, porra!!! Se não ficar comigo eu te mato!!!... Ora, vão tomar no cu seus bando de caralho!!! Enfim... Eu estava no inferno com aquele sorriso nervoso que invade o rosto nas horas mais impróprias. No portão do nono círculo, disse ela... Nono o quê? Táquiopariu... To sonhando com muita merda ultimamente, pensei... Mas querem saber, eu estava errado... Tudo aquilo era, ou é, real... Assim como a mulher que estava do meu lado naquela ocasião... Andahariel. Ou, Bell, como a chamo até os dias de hoje.
Lembro que por um instante achei que estava ficando doido, quem não ficaria, porra? Não conseguia nem parar de rir pensando no quão fudido estava. Encontrava-me na entrada dos portões do castelo de granito de Lúcifer. É descomunal no meio de uma paisagem única. Terra feita de fogo. Céu feito de sangue. Ar feito de dor. Um rio percorre todo aquele território. Um rio de magma entristecida. Esse castelo de granito rubramente enegrecido brilha fantasticamente a beira de uma cratera de proporções incabíveis, conhecida como: o Fosso. Lugar de onde insurgiram os primeiros caídos. Os anjos da primeira revolução angelical.
O que eu estava fazendo lá? Caralho, quantas e quantas vezes me perguntei isso em poucos segundos que estava ali. Aliás, certas pessoas têm razão... Um segundo no inferno é uma eternidade!
Foi quanto aquela doce e rósea voz feminina me disse uma coisa:
- Vá até lá. Daqui não posso mais prosseguir com você, John.
- O quê??? Quer me jogar na boca do leão??? Quer me foder, aspira???
- hã?
- Nada... Por que estou aqui? Por que tenho que ir até lá? Ainda mais sozinho, porra!
- Você deve, Matthews. Certas coisas dependem desse encontro. Certas regras de diplomacia impedem que eu prossiga. Mas, não se preocupe. Você estará seguro.
- Seguro o colhão!!! Estava bem dormindo em casa e você me trouxe até aqui pra...
- Nunca lhe faria mal, meu querido... Confie em mim e prossiga...
Desaparecendo depois de deixar aquelas reticências no ar eu pensei.
- Queria que você fosse só minha alma gêmea. Seria mais fácil. Só amor, paz, felicidade e sacanagem... Mas esse tipo de sacanagem, não!
Um pé depois do outro ajudou meu caminho a se estender até o castelo. O que vi pelo caminho? Hummm... Melhor deixar pra lá... Vocês não acreditariam, mesmo. Assim, também, evito muitas perguntas que só ocupariam o tempo de nossa conversa. Continuando, ok? Bem... Os portões do palácio de granito abriram-se quando cheguei a eles. Nenhum guardião. Nenhum recepcionista. Só ecos de minha voz trêmula dizendo:
- Ô de caaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaasa!!!
Tudo se transformou diante de meus olhos contorcendo-se numa cadência desesperadoramente leve. O cheiro era ótimo e tranqüilo. Estava na sala de um trono. Gigantesca. Descomunal. Com uma luz tênue e tímida, ás vezes amarela. O trono era adornado com marfim e toda a espécie de jóia fina, ouro, prata, bronze, amianto... Mudava constantemente e cada forma sua era de uma beleza indescritível. A figura que assentava-se nele possuía a beleza de todas as estrelas do céu. De todo o clarão de cada nascer de supernova. De cada destruição solar. Cada galáxia. E cada universo. Novo e velho. A parte direita de seu rosto era coberta por uma máscara adoravelmente adornada como seu trono. Ela parecia feita de sangue em certos momentos. Seus cabelos compridos escorriam por sobre suas asas e brilhavam tênue e suavemente. Também fora conhecido como Estrela da manhã. Possui muitos nomes e várias denominações. É o maior costa-larga que a humanidade conhece. Quem acertar seu nome ganha um doce... Pensam que é fácil? Ele me disse naquela ocasião perdida no tempo...
- Entre, John. Precisamos conversar. Se não sabe quem sou... Muito prazer, meu nome era Lucibel, hoje sou Lúcifer, claro que ambos em língua humana. Seja bem-vindo. Essa é minha casa.
Minhas pernas não se mexiam.
- Não seja tímido, John. Aproxime-se...
Em outro instante ainda mais instantâneo estávamos sentados a mesa de um banquete. Os dois. Um em cada ponta. As louças eram negras e bem polidas. Era estranho, mas brilhavam como bronze. Os talheres eram perecidos com rubis e esmeraldas. Os copos tinham um brilho de prata, mas eram transparentes. Não sei dizer até hoje se eram de alguma espécie de vidro ou metal.
- Já vão servir nossa bebida. Pedi um vinho. Tenho de uma boa safra ainda da velha lemúria. Espero que seja de seu gosto. Mas cuidado... É forte.
Uma figura feminina tesudíssima cruzou o que parecia ser um longo corredor de pilastras góticas. Ela carregava uma bandeja e a luz dos vitrais refletiam sua imagem enquanto ela caminhava. Quando chegou perto o suficiente pra me servir aquele vinho pensei em quantos milagres e casamentos podem ser salvos por um simples saco na cabeça, mas esqueçam... Foi só um breve devaneio. Continuando perguntei, eu me lembro...
- Por que estou aqui?
- Já era tempo de nos encontrarmos, meu irmão...
Ppprrrrrrrrrrrrr.... (Cuspi quase todo o gole de vinho).
- Irmããão? – Perguntei.
- Não temos o mesmo Pai? – ele retrucou. Tomei outro gole, dessa vez, bem mais profundo, daquele suave vinho tinto lemuriano enquanto pensava... “Fudeu!”.
- Sei de sua jornada. Seu tempo está recomeçando e é hora de fazer suas escolhas. Por isso, no plano do Todo Universal está escrito que você deverá conhecer todos os lados. Todas as coisas. Você nasceu com uma missão importante além de a de ter que aprender mais coisas sobre a humanidade. Estás aqui por dois motivos. Primeiro: Eu queria te rever, mesmo nessa denominação carnal. Segundo: Eu quero que você me conheça.
Confirmei: Fudeu!!!
- Sei que você veio do Céu. Reconhecestes alguma coisa da Cidade de Prata? Suas piscinas? Suas praças? Seus anfiteatros? Visitastes as Torres de Marfim dos ciclos superiores? ... Bem, espero que sim! É realmente um turismo fantástico. Bem melhor que seu avesso. Um dia, sei que você irá ao quinto círculo infernal... Cidade de Dite. Também é muito lindo lá e o metal que produzem extraindo de suas rochas incandescentes é a única coisa que pode ferir um ser etéreo... Bem, não a única... “mais utilizada” seria o ideal. Como essa espada que tenho aqui do lado de meu trono.
Achei: O cão vai querer comer meu cu... Táquiopariu. Vai ter porrada aqui nessa porra!!!
- Mas não se preocupe, não vou lhe fazer mal. Como disse; você é meu irmão. Vou lhe levar pra dar uma volta em meu reino e te contar umas histórias.
Dei graças: Saiu da reta!!!
Enquanto ainda estava deixando a tensão fluir... O cenário mudou de novo. Estávamos flutuando em cima de uma grande prisão. Bem, estava mais pra canis... Pequenas celas e seus habitantes sofridos que se estendia por toda paisagem, como um capacho na frente daquele céu negro. Os gritos eram sem sentido... Como se a carne estivesse cansada e sem forças e a mente ainda divagasse sobre um possível sofrimento. Os demônios que, digamos, dirigiam o lugar apenas andavam pelos corredores. Caras fechadas. Nenhum deleite. Em algumas salas... Torturas que arrancavam o tempo daquelas carcaças parcialmente destruídas.
- Observe meu irmão... Imagina o que sejam esses demônios? Se é que podemos chamá-los assim...
- Agentes de dor e sofrimento... Fragmentos de mentes perturbadas... Contrapartes algozes...
- Isso mesmo. Sua perspicácia lhe faz jus, John. Quando chegam ao inferno eles rogam por sofrimento. Então suas mentes lhe dão esse presente. Constroem suas contrapartes pra que concluam o trabalho de torturar suas carnes e arrancar seus pecados a ferro e fogo. Passam milênios aqui até se arrependerem e recomeçarem a tortura a si mesmos... O tempo aqui é fluídico. Chamo esse lugar de “Reino de Arkhan”. Por que fazem isso? ... Até hoje quero entender, mesmo sabendo... Quero entender o porquê... Bem sei que tortura sempre foi um vício da humanidade. E por isso também me culpam...
Vi então um homem em particular que chamou minha atenção. Ele levava um tiro a cada significativo instante... Acho que um minuto ou dois... Sempre na cabeça... Penetrei em seu íntimo e li suas impressões mentais como bloco de informação... Bem... Mais ou menos um download... Ele tinha matado sua família com um 38... Mulher... Mãe... Um filho de dois anos... E uma menina de dezesseis... Ele queria estar ali... Ele mesmo se torturava... sem se dar conta de que os mesmos dedos que puxaram o gatilho na atrocidade que cometeu quando vivo, agora o torturavam pela eternidade... Na época ele disse que ouvia vozes e que estava possuído... Bem, agora ele está... Acho que se soubesse disso... Jamais teria cometido suicídio na cadeia... A morte só é o começo de uma nova vida, meu amigo... O que escolhestes? ...
Quando vi um tiro perfurando a cabeça daquele homem e sendo o regente do coral de sofrimento que saia pela sua boca em forma de gritos desesperados... A paisagem transformou-se de novo... Estávamos sobre um grande oceano... Eram águas negras com manchas brancas... Bem... Achei que fossem manchas, mas demorou pouco pra perceber que eram cardumes de pessoas que se deixavam levar pela correnteza daquelas águas negras...
- Aqui é um grande oceano que corta boa parte do inferno. Aqui não tem bem um nome que eu chame em particular, porque acho deveras monstruoso. São almas que não descansam... Afogadas em seus próprios delírios... Fracas... Necessitando serem resgatadas dessa água podre e sem vida formada por lágrimas humanas. Se você tocar nelas vais perceber que não existe muito significado pra tamanha extensão... Por isso também me culpam... Falta de dinheiro... Problemas de relacionamento... Crises existenciais... “sem sentido” é o verdadeiro motivo do inferno...
Então toquei as águas e senti a cegueira da maioria. Ele estava certo. O mundo sofria por coisas banais e isso os impedia de seguir em frente, de vencer, de viver em paz. Só não poderia imaginar o tamanho espalhafatoso que isso tomara nas regiões espirituais do inferno... Pensei: Que... Merda!!!
Era jovem ainda, pensei comigo e meus botões, mas sabia que isso era verdade e que ele não estava mentindo. Virei meus olhos em sua direção. Observei-o quase sem perceber que o fundo mudara novamente. Quando dei por mim estávamos de pé numa estrada de ladrilhos negros com pequenas gotas de prata. Era lindo de uma forma mórbida e meio marrom. Essa estrada era, como tudo ali, quase infinita... Bem, pelo menos não via seu fim. Ela era, ainda é eu acho, cercada de árvores secas e magníficas... Quase humanas... Bem, acho melhor dizer: humanas quase árvores. Aquela voz escura e imponente chamou minha atenção dizendo:
- John... Seus olhos estão mudando... Observe seu reflexo em minha máscara.
Então vi... Olhos amarelos num fundo negro. Percebi que corria dentro de mim uma energia púrpura que fazia mover aqueles céus circulando até formar um grande tornado.
- Humm... Mais um elemento brota em você... Esse é o útero de seu novo nascimento. A força extrema que deu origem ao processo de inflação universal que fez nascer o seu universo físico. A energia que pode consumir tudo. A energia Negra da Noite e a matéria potencial. Alegre-se.
Com aqueles olhos tudo tomara vida a meu redor... Eu via as árvores me olhando com espanto, então me aproximei e toquei numa delas. Senti um choro profundo de uma amargura eterna. Uma alma perturbada. Presa dentro de si mesma. Incapaz de enxergar a vida e todos os valores empregados a nós por Deus. O universo falava comigo. As energias estavam mudando agora brilhavam silvos... vermelho... verde... azul... amarelo...
- Deixe fluir, John... Sinta as forças da natureza e as forças do universo... Fogo, Terra, Vento, Água... Gravidade, magnetismo, alta radiação e baixa radiação...
Então senti um sorriso bem distante e tão perto, de quem É Tudo e Nada. Alfa e Ômega. Princípio e Fim. Senti como Ele está no todo e no nada. Nos espaços entre as moléculas. No infinito... No princípio... Vi a mandala humana e como a criação era favorável aos homens... Naquele momento pleno me questionei: Por quê?
Eu estava mudando... Um redemoinho de luz dourada que piscava um branco divinal desceu sobre mim e cortou os céus daquela camada do inferno iluminando aquele infinito austero...
- Meu... Irmão – Disse Lúcifer com um sorriso no rosto.
Tudo rodopiava. Árvores voavam e se espalhavam por todos os lugares, mas ele permanecia estático. Parado a meu lado, vi de olhos fechados ele olhar pro céu enquanto ouvia junto comigo uma voz que estremecia todas as dimensões. Soube que todo ser vivente consciente ou inconscientemente sentiu o poder daquelas palavras inexplicavelmente poderosíssimas que vinham de todos os lugares e de lugar nenhum numa proporção de tudo e nada. O Demiurgo disse sorrindo:
- MEU FILHO!!!
E tudo se calou. Então abri os olhos num silêncio infernal. Eu tinha mudado. Tudo em mim havia se multiplicado e minha percepção se eternizou... Ali ficara só um rastro, como uma aurora boreal. Olhei pra mim. Vi-me de frente e de costas, de um lado e de outro. Não existiam mais distâncias. Nem alto e nem baixo. Meus cabelos estavam brancos, compridos, meus olhos eram brancos, minha armadura era feita de uma prata brilhante e de uma prata escura que refletia uma luz púrpura. Minha pele era um leve tom de cinza azulado. Eu era o que tinha sido e nunca deixei de ser. Eu era o que existia dentro de mim, no universo de minha alma. E jazia há algum tempo em paz e silêncio. Mesmo assim estava longe de minha essência. Ouvi então ele pronunciar.
- Olá, meu irmão... Podemos continuar nossa jornada pelo inferno? Ainda há muito que mostrar e tanto o que conversar... Vamos, Suryal?
Dei de ombros concordando. A paisagem mudava, mas agora podia ver cada detalhe num ritmo sagaz. Podia ver tudo. Cada alma. Cada nota contida em cada grito. Parece loucura. Até falar disso agora não deixo de pensar: Caralho!!! Mas fazia muito sentido na hora “H”, entendem? ... Não? Deixa pra lá, isso também não é tããããooo importante... Continuando... Fomos até um jardim maravilhoso. Eu sabia o que era...
- Os campos Elíseos nunca mudam, não é Lucibel? – Minha voz era como a de um leão, de um gorila, de um lobo, de um falcão com força de vários trovões.
- Nunca, meu irmão. Aqui é lar de vários poetas e pensadores que passaram pela humanidade e a presentearam com o conhecimento dos séculos, e outros de várias dimensões. Gosto da biblioteca daqui, lá o tempo não passa. Lá tem livros que só existem aqui e na terra dos sonhos de lorde Morpheus dos Perpétuos.(*) Todos os que já foram escritos, pensados, não-terminados, sonhados... Qualquer um de qualquer um. Gosto de vir aqui de vez em quando descansar.
- Tantas almas, meu irmão. Por que tanto sofrimento?
- Porque eles desejam. Você já viu no mundo dos homens pessoas enchendo templos religiosos com desculpa de que vão orar e louvar a Deus e passam seu tempo inteirinho falando do Diabo?
Dei de ombros. Ainda existia consciência humana naquele corpo. A essência de Suryal ainda estava dormindo. Ali em mim, apenas um reflexo do que fora, mesmo assim minha percepção aumentará pelos milênios de todos os tempos. Sem lembranças. Só flashes de coisas, lugares, seres... De mim...
- Vamos tomar um vinho na biblioteca?
- Claro.
Rumamos à biblioteca dos campos Elíseos. No caminho poetas, pensadores, filósofos, pintores... Passeando e flutuando num paraíso depois do primeiro portão da primeira camada infernal. Ao longe uma árvore altíssima onde se observa um ponto de luz. Como um sol iluminando aquela terra magnífica. Na verdade, com meus novos olhos vi quem de lá acenava pra mim. Gabriel guarda a entrada dos Campos Elíseos. Prostrado na copa gigantesca daquela grandiosa árvore cujas raízes entrelaçam-se de uma altura inexplicável até o solo formando o portão principal de uma das mais belas camadas infernais. Ele segura um gigantesco livro cujo conteúdo só é sabido por ele mesmo e o Criador de Todas as coisas. Magnânimo, Incorruptível e Singelo... É Gabriel. Ele me cumprimentou e da entrada da biblioteca, o respondi: “Meu irmão querido... saudades de nossas conversas...”. Adentramos então na biblioteca dos Elíseos. Lucibel me aguardava sentado numa mesa mais particular do que a última. Uma garrafa de vinho de um odor surpreendente sobre a mesa. Várias pessoas falavam, mas nada se ouvia, apenas se quiséssemos, afinal de contas, quem faria barulho em uma biblioteca, ainda mais numa tão nobre quanto essa? Lábios se mexendo sem som algum e um relógio na parede marcando meia-noite enfeitavam aquele recanto. Naquele momento soube que aquele relógio curioso sempre marcara aquele mesmo horário especificamente.
- Sabes, meu irmão... Estou triste... De uma certa forma... Entendes? – disse ele tomando um gole daquele precioso néctar.
- Pelo quê?
- Preconceito...
Dei de ombro e retruquei...
- O Lorde Lúcifer, triste por conta de preconceito?
- Você sabe o que acarreta esse tipo de coisa? Ninguém evolui. A humanidade se jogou na mão de poucos. E esses poucos estenderam-nas com luvas de pelica. Eles não se importam com os demais. Se importam com controle, poder e ganância. Possuem pés que os apressam a fazerem coisa que até eu duvido. Estão mais preocupados em achar culpados pros seus atos malévolos que acham que tudo que acontece de ruim é culpa minha. Maldições... Guerras... Fome... Pestes... E mais uma série de coisas xulas. Até o rosto de Cristo com olhos de demônios alguns vêem. Sabe? Eu estava lá no dia, eu vi O Filho ser crucificado... Acredite... A pesar das marcas de nossa guerra e do resultado de nosso confronto, eu não fiquei feliz com aquilo. Mas uma vez... Quem é o culpado? Nossa! Até em filmes... Usam tanto minha imagem... Dizem que sou dono de tudo lá em cima... Cabarés... Bares... Danceterias... Uma porção de coisas das quais nunca recebi meus royalties.... Sabe, meu irmão... É triste.
- O que se esperar de pessoas que matam seus salvadores para venerá-los depois? Você já tentou ir lá em cima dar uma volta e tentar pregar a salvação de suas almas?
- Pra quê? Passar raiva? Jamais! Sabes, o termo “Satanás” significa “inimigo de Deus”... Foram duas revoluções angelicais... existem incontáveis satanases por aqui, sabias? Deixo que eles façam o que quiserem... Daí ganho a culpa. Demônios são uma raça diferente que viveu na Terra por muitos milênios antes dos homens. Eles acham que aquele planeta é deles e não descansarão enquanto não puderem reavê-lo. Além deles existem outros milhares e incontáveis seres espalhados entre as dimensões... Por que EU iria lá em cima sacudir corpo de adolescente, espancá-lo ao solo e dar voltas de 360° em seus pescoços... Acham realmente que não tenho nada pra fazer de melhor, não é mesmo?
- É o que dá ser famoso. Vida pública é uma merda.
- Hahahahahahaha... Não me importo muito com isso, todavia fico triste. Sabes, eu queria governar a humanidade. Vi muito potencial neles. É, certamente, a obra mais linda da criação. Todos são parte de um todo. E tudo que acontece a um indivíduo acontece a todos em partes separadas de suas vidas. Seus aprendizados são iguais, porque todos estão interligados... É lindo ver essa roda funcionando. Cada um é uma engrenagem com um objetivo específico dentro do multiverso. Dizer o quê? Ele é foda!
- Realmente. – Concordo enquanto o observo tomando um gole a mais de sua taça, e bebo um da minha.
- Mas hoje. Tem certas coisas que até me deixam confortável por ter perdido a guerra. Bem... A Batalha...
- Você ainda pensa em investir contra a Cidade de Prata? – Indago.
- Bem... Sinceramente... Não sei... ueheuhuheuheuehue... irônico, não? Acho que estou meio cheio disso, mas quem sabe? Opa! Ele sabe, não é mesmo? Sempre soube... Você se recorda de algo sobre aquele dia?
- Hummm... Deveria?
- Bem... Tudo há seu tempo, meu irmão... Tudo há seu tempo... Mas voltando... Acompanhe-me em minhas visões... Consegues me seguir?
Fluí com sua mente e fomos parar num limiar entre os primeiros passos do primeiro portão dos Elíseos. Ouvi choros horríveis. Lamentos terríveis. Almas rasgando-se no infinito rubro do nada. Ali era, e é, lugar nenhum feito pra ser inabitável... havia uma garoa que chegava de leve até nossos corpos... De longe pareceriam um tornado de areia, ira e loucura...
- Nossa... Que coral de choros terríveis! Quem são eles?
- Anjos Ignávos. Você não deve se lembrar agora, mas são os que não se juntaram a rebelião e tão pouco uniram-se ao Demiurgo. Expulsos dos Céus e inaceitáveis aqui no inferno, ele vagam num lapso atemporal sustentados apenas por seus lamentos e injúrias. Bem, colhemos o que plantamos, não é mesmo?
Naquele momento senti um forte aperto no peito e uma tristeza profunda, mas, ao mesmo tempo, um conforto absoluto sobre Justiça. Bem... Não demorou muito para estarmos em outro lugar... Era um trapiche de pedras tristes e anciãs que se confundiam com limo úmido que observava um oceano dividindo espaço com uma forte neblina flutuando sobre ele.
- Aqui é a passagem... Os barqueiros devem chegar logo com mais uma manada de almas que procuram sofrimento por vontade própria.
Então vi barcos enormes lotados de pessoas que pareciam ter esquecido suas almas em algum lugar do passado. O silêncio só era quebrado pelos barulhos que a água fazia com o navegar dos barcos. A neblina também gerava um som estranho quando tocava o casco dos navios... Como quando se joga um comprimido efervescente num copo d’água. Confesso que um pouco mais perturbador.
No atracar dos barcos no píer desciam almas perdidas aos milhões. Eu as vi chorando, mas nenhum som.
- Por que não as ouço?
- Porque eles venderam até suas vozes ao nada. Jogaram suas almas no lixo como papel higiênico cheio de merda. Venderam-se aos prazeres, aos cultos retardados a entidades neo-pagãs criadas por eles próprios, mesmo sabendo que isso era vazio e improdutivo. Essas são as almas que falharam com elas mesmas.
Eu fitei os olhos de uma delas... Acredite... É fácil achar olhares assim por aí... Orgulho e loucura... Que resultado para tal soma... Nesse momento me indaguei... Por quê? Antes que pudesse responder, estava em outro lugar. Dessa vez era pairando no espaço sobre a Terra. Escutava tudo. Cada plano de morte. Cada mentira. Cada choro falso. Cada olhar altivo. Cada esquina. Sentida o cheiro das paredes com um fedor encruado de falsidade e mentiras. O ar poluído com ganância e falsas orações. Vi uma bíblia pegando fogo aos pés de uma criança chorando sangue. Um bispo cheirando pó dentro de uma igreja. Um pai estuprando sua filha. Um filho matando sua mãe. Um prostíbulo atrás de um púlpito. Um menino de doze anos matando um homem a tiros. Uma neta batendo em sua avó. Um senhor numa cadeira de rodas sendo maltratado por uma enfermeira num asilo. Um médico trepando com uma paciente anestesiada antes da cirurgia. Uma mulher jogando um bebê recém-nascido de uma ponte dentro de uma sacola de supermercado. Uma menina de quatro anos sendo bolinada por um homem fardado de quarenta. Cinco rapazes botando fogo num mendigo de rua. Pessoas extorquindo dinheiro de outras dizendo que tinham dons divinos. Falsos exorcistas. Ladrões de mentes. Ladrões de vidas. Ladrões de caixões...
Então... Gritei...
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
Então voltei... Pra velha biblioteca... Pro velho copo de vinho... Pro velho relógio marcando meia-noite...
- Você viu, não foi? Um pouco dos males ocultos que os próprios homens criam. Que eles próprios vivem. Que eles próprios dão-se como presente pra aumentar sua cegueira. Mas você percebeu que, ainda assim, tudo tem um motivo? Certas partes desse mal são estopins pra que o bem venha se instaurar na vida das pessoas. Para que mudem seus atos. Como um jovem inconseqüente perde as pernas em um acidente e assim poderá viver mais para que alguém através da experiência dele possa vir a se salvar de um destino pior. Ás vezes inúmeras pessoas se corrigem por ouvir uma única experiência de alguém escolhido para mudar o mundo, como a vida de Jesus, O Cristo... O Filho de Deus... O Verbo em forma de carne. Yeshua.
Então, ele respirou fundo... E deixou que o ar saísse numa marcha triste de seus pulmões. Marcha essa que fechou seu semblante. Continuou...
- E isso é bom... – Então deixou que o silêncio nos fizesse companhia.
Terminamos o último copo do aromático néctar que era aquele vinho, e saímos da biblioteca. Calados, rumamos aos portões da primeira camada sob a árvore onde estava Gabriel. Nos despedimos. E o vi voltar andando. Imponente. Sem saber ao certo porque resolveu voltar a pé, enquanto o via se afastar pensava com meus botões...
Realmente é incrível como temos esse costume de criar conceitos a respeito das coisas. Criar nossos medos. Materializar nossos problemas. Ficamos realmente cegos pra ver as coisas boas? Ou só quando temos que ver a razão de tudo o que nos acontece? Será que um dia vamos aprender a superar essas coisas horríveis que moram dentro de nossas almas? Será que um dia vamos poder ver como somos realmente? Será que é difícil aprender a ver outra pessoa na rua, a seu lado talvez, e ter certeza de que ela tem seus próprios sonhos, desejos, certezas e falhas assim como cada indivíduo o tem? Será que falta muito pra ver que somos tão iguais por sermos tão diferentes?
Olhei pra mim e já era eu mesmo. Na mesma casca. Acendi um cigarro de cravo e virei pro portão enquanto ele sumia no horizonte como a luz do sol se pondo. Vi que Andahariel me esperava. Quando encontrei com ela... Não disse nada porque sabia que ela precisaria de muito menos pra entender meu estado, então deixei que meus pensamentos fluíssem como águas contínuas num rio cheio de pedras... Era duro, eu sei, mas por quê? ... Por que continuar a criar nossos próprios fantasmas pra que nossas noites sejam assombradas por formas vazias de nossas próprias incapacidades de enfrentarmos a vida com coragem e honra? Aquela estadia naquele lugar dessa forma consciente e fantástica tinha me enchido de perguntas e indagações. Éramos tão perfeitos em nossa essência, mas falhos demais em nossa carne. O suficiente pra sermos covardes o bastante de fazer do Céu e do Inferno instrumentos de nossa vontade podre e vã. Vadios, ignorantes, perversos e preconceituosos. Fazemos de Deus o que queremos que Ele seja, e não nos preocupamos em enxergá-lo como Ele o É. Assim como o resto de todas as coisas espalhadas pelos multiversos. Preconceituamos o universo e, assim, nunca tiraremos dele todos seus reais ensinamentos... Todos seus reais segredos... Porra’caralho! Será que é tão difícil de ver o quanto perdemos com isso?
Inúmeras perguntas mais entravam e saiam de minha cabeça como insetos atraídos pela luz azul. Batendo e ficando... Saindo e morrendo. Mas cada uma com seu propósito específico enquanto seguia meu caminho olhando pro chão e fitando meus passos. Sentindo as brumas, daquele lugar, tocarem meu rosto com carinho e alívio enquanto me afastava cada vez mais do chão... Pensando... Por que é tão difícil, sinceramente, por que esse caralho é tão difícil de ser entendido? Por que acham que suas vidas são longas a ponto de não terem consciência com o que vem depois? Será que mudaria alguma coisa se soubessem que tudo isso criado por nós?
E assim eu ia me perguntando enquanto pairava pra fora daquele lugar acompanhado de minha amada guia... pensando que estranhamente tudo tem seu propósito específico... Fumando meu cigarro de cravo e... Deixando toda essa história se transformar em brumas...

FIM.

sábado, 23 de agosto de 2008

Brumas da Paixão: Sonho de menina.

Uma vaga nuvem passa por aquele lugar. “Parece que estou no céu”, ela pensa, mas não é bem isso... Ela sabe que está sentada num banco extremamente familiar, cercada por um ar inconfundível de pano molhado há dias, num escuro até certo ponto confortável e seguro. Ela sabe que espera ali um ônibus amarelo pálido e tingido de ferrugens em certas partes. Seu nome não importa muito ali, tanto quanto seus olhos verdes, seus cabelos negros, sua franja, e sua pele pálida, ela sabe... Ela sonha.
Um ruído gago e agudo de ferro contorce-se naquele ar embaçado como uma sauna quente anunciando a chegada do ônibus velho. As portas se abrem. Ela entra porque sabe que deve entrar. Ela sabe que é por isso que está ali. O motorista acompanha-a com olhos cadavéricos, profundos e vazios. Ele é preto e branco como o resto dos passageiros que oscilam presos em suas poltronas. Ela senta no único lugar que sempre sentou, na cadeira no fundo de frente pro corredor. Ela lembra que no letreiro da condução está escrito... Escola.
O ônibus segue seu caminho. Ela pensa por um momento no quão silenciosa é essa viagem e se pergunta como pôde jamais reparar nesse detalhe. Ela pode escutar alguns corações abafados batendo a seu ritmo e as respirações baixas e profundas de cada pessoa ali dentro... Mas... O ferro gago e agudo de novo rasga o clima anunciando o destino da condução. Ela olha pro lado e vê uma placa iluminada por uma luz cansada e entristecida: Escola.
Todos descem andando num caminhar pálido e líquido. Por um momento ela acha ter visto um homem e uma mulher parados ao longe observando seu caminhar. Ele fumava um cigarro e a encarava acompanhado de uma mulher de cabelos castanhos, todavia sumiram como o último quadro de um filme rolando num projetor antigo. “hã?!” Ela pensa por um instante até voltar a si e ter certeza de que aquilo não importa muito.
Seguindo caminho ela vê um prédio antigo que parece estar abandonado. Ouve barulho de corvos e pensa que aquilo é coisa de cinema B, porém continua andando magneticamente ao encontro daquele gigante de tijolos avermelhados e sujos encruados com lembranças de chuvas ancestrais. Ela entra pelo portão principal e encontra um pátio cinzento vazio... Onde estão todos? Essa pergunta ecoa na sua mente fazendo-a olhar pra trás e ver que os alunos se esvaem em pequenas brumas gélidas assim que adentram no gigante abandonado. Sua cabeça se volta pra frente obedecendo à vontade de seus olhos. Devagar, depois de dar uma volta por cada detalhe daquele pátio fantasmagórico ela vê uma escada em caracol feita de ferrugem e tempo. Então... Caminha...
Cada passo dela bate na escada e fazendo nascer umas notas funestas com timbre de calafrios. Ela percebe que uma goteira acompanha seus passos lentos e cautelosos. Quando termina o destino da escada ela se esvai e só resta uma sala empoeirada, ela e uma figura sentada numa cadeira.
Cadavérica, aquela figura vira-se pra ela dobrando o pescoço lentamente em direção a moça. “Olá” diz a voz rouca e feminina. A moça sentada na cadeira é extremamente magra como se não tivesse órgãos dentro de si. Seus olhos sem pupilas são dois amontoados de veias rubras nos globos brancos. Ela não tem orelhas, nem cabelos. Sua pele parece rasgada pro ferro quente em certas partes cauterizadas. Seus lábios são finos como duas cortinas escondendo os dentes apodrecidos dentro do preto das gengivas. Suas mãos são suportes pros dedos compridos que apontam pra ela e fazem um sinal ao comando da voz... “Chegue mais perto...”. Ela ouve e obedece. É estranho, mas ela sempre encontra com essa mulher, então, já está acostumada.
“Você já aceitou quem sou, menina?”. Antes que pudesse abrir a boca e lembrar que já escuta isso há milênios. A sala fica escura, como se alguém tivesse desligado a luz. Ela começou a escutar gemidos de dor, berros estridentes de crianças perdidas, ranger de dentes, barulhos de açoites, cada coisa que servia pra fazer seu coração bater mais forte... Até que sentiu seu corpo ser jogado contra a parede e transpassado por correntes e anzóis... “Aaaaaaaaaaaaaaaaa...”. Gritou... Mesmo sabendo que era inútil. A figura aproximou-se dela carregando uma criança pelo pé. Ela chorava bem forte... Até que parou engasgada pelo sangue.
“Diga “olá” pra mamãe”. Disse a mulher demônio. Ela, por um momento, achou que estaria no que chamam por aí de inferno, duvidou de seu sonho, porque não se lembrava bem dessa parte. Isso tudo era bem cinzento...
Seus olhos a levaram a uma sala empoeirada e úmida. Pelas janelas lacradas com papel passava um filete de luz que ela podia jurar que era do sol. Ela estava sentada de frente pra uma mesa cheia de pastas com muitos documentos que guardavam além de suas letras, poeiras e marcas de café, relatos de vidas e suas tristezas. Uma página lhe chamou a atenção. Velha como as outras, mas contava uma coisa bem particular. Ela leu e percebeu que ali tinha um poder antigo de fazê-la chorar. O passado voltava à tona e ela tinha que encarar os fatos. Enquanto chorava ela ouviu um barulho horrível e estridente. Era a mulher demônio que arranhava uma lousa que jorrava sangue. Daí ela pensou que estava errada... Não parecia cinema B, era cinema Trash!
Ela observou estática, aquele sangue se contorcer no chão como uma lesma quando entra em contato com sal... Aquela gosma tomou forma de uma criança de pouco menos que um ano de vida, mas sem pele e coberta de sangue e outros fluídos que ela não conseguia identificar bem, mas eram realmente nojentos. Estática ela viu a criança gritar como um cão raivoso, pular sobre ela e morder seu pescoço... “Aaaaaaaaaaaaaaaaa...”. Gritou... Novamente sabendo que era inútil.
Ela estava numa sala pendurada pelos pés, como? Ela nem poderia imaginar. Só pensava em que hora o sonho mudara e por que ela não tinha mais controle sobre ele. Ela matutava com uma mente tagarela que já não lembrava mais nem da hora em que foi dormir, se havia escovado os dentes, tomado um copo de leite ou que pijama teria vestido. As coisas que ela achava normal estavam embaralhadas no que estava vivendo, daí lembrou que nunca tinha vivido esse sonho até o final.
Ela escutou passos pisando n’água pesada aproximando-se. Ao abrir os olhos viu pés de uma pele rasgada por açoites, e descobriu que não era água, mas vômito de algumas coisas que ela nem quis saber na hora, só percebeu que seus pulmões foram invadidos por aquele cheiro azedo. A voz rouca pronunciou: “Viu a bagunça que você fez, menina?”. A demônio tossiu uma gosma preta e continuou: “Viu a bagunça que você fez? Vou ter que arrumar tudo agora?”. Ela gritou quando percebeu que sua calça, camisa, nariz, boca e todo lugar que ela podia sentir estavam sendo percorridos por milhares de baratas famintas... Ela sentiu... Mas não conseguiu gritar... Porque por mais que se debatesse... Elas estavam na sua garganta... Era inútil...
Ela voltou a si quando sentiu novamente os pesos das correntes que a tinham amarrado e perguntou-se por um instante se nunca teria saído dali. A dor era sublime. Ela queria gritar e acreditem... Se pudesse... Ela teria gritado muito alto... Abriu os olhos e viu uma menininha segurando um balão. Ela pensou que aquela criança deveria ter uns quatro anos. Ela pensou porque estava vestida de bolinho e segurando um balão vermelho... Quando olhou o balão começou a se lembrar de sua vida, cada fato, mágoa ou coisa que tenha gerado pra si e para ou outros direta ou indiretamente... Lembrou de sua infância... De sua juventude roubada... Sentiu saudades daquele ônibus amarelo sujo e enferrujado... Pensou em cada coisa que nunca havia tido dado muita atenção... Percebeu que do balão flutuante começou a jorrar sangue amarelado e doente... Olhou pra menininha e viu o rosto daquela demônio que a recebera naquele sonho, ou seja lá o que for, enquanto as correntes rasgavam sua pele devagarinho... Ela ouviu uma voz rouca dizendo: “Você já aceitou quem sou, menina?”.

Fim?

domingo, 8 de junho de 2008

Brumas da Paixão - O Visitante


Lua parágrafo único que inicia minha vida, monumento inatingível por mortais, incompreendida talvez... Porém bastante apreciada por amantes.

Olhares irrequietos para os raios lunares... São mortais que não conhecem a si mesmos e desprezam, com ignorância, o conhecimento dos tempos e eras que não voltam mais...

Andando por essas ruas, apreciando as belezas noturnas, e soturnas, dessa cidade chamada Belém do Pará até me esqueço do dia em que cheguei aqui, penso nessa gente tão amigável, e tão simples... Incompreendidos, sim! E muitas vezes rotulados de ignorantes! Todavia simplórios como as aves do início de meu caminhar, já entristecidas pelo entardecer!

Penso no que pensam sobre mim... E sei que sua ignorância abundante, nessas e em muitas horas, é uma benção... Alguém rotularia, ou me taxaria pelo que sou? Poucos sabem da verdade... De veras, hoje, nenhum humano! Só os de minha raça, e os que compartilham de sinas semelhantes... Nossas afinidades nos unem como Gohan de primeira qualidade... É incrível como essa distração, causada pelo envolvente espírito dessa terra, me faz esquecer de inesquecíveis dias... De certo a cabeça de um mortal é incapaz de gerar tal informação, ninguém sabe o que é nunca mais ver um raio de sol... Ou sentir o sabor da culinária humana... Ou, até mesmo, ficar doente! Até que Bran Stoker tinha razão quando escreveu que Drácula só sentia o gosto de sangue e absinto. Bebida forte aos humanos, e muito suave para nós! Não essa água esverdeada que vendem no Brasil, mas o doce e suave gosto da Fada Verde Absíntica das mórbidas terras inglesas de Conde Wladmir Dracul, vulgo Conde Drácula para uma maioria significativa dos fãs do livro do Irlandês Stoker.

Cada dia que vivi, depois que morri, parece um remendo... Um ponto solto no tricô universal... Trevas eternas sobre minha face... O mundo tem outras cores p’ra meus olhos imortais... Novos cheiros e sons revelam-se na escuridão eterna de meu viver... Vi exércitos sucumbindo... Presenciei nações inteiras caindo... Líderes perdendo o controle sobre suas próprias vidas, mergulhando de cabeça no mais absoluto nada do inconsciente de suas próprias loucuras... Sanidade? Em determinadas horas dessa vida maldita ela é a verdadeira benção!

Em minha longa jornada, já tinha eu muitos séculos de vida quando cheguei à Espanha. Eram tempos tumultuados, o Renascimento tomava conta do pensamento do povo o iluminismo era o alicerce para o ego da humanidade, em breve ele se espalharia pelo mundo como uma praga, era só uma questão de tempo... Com minha experiência ficava clara tal percepção!

Sujo... O mundo se tornaria ainda mais repulsivo! A ganância sempre foi o alimento da destruição humana. Tudo o que tornava a vontade do homem forte, era o que destruía-o lentamente através dos séculos!

Quando o mercantilismo começou, e a idéia de que o homem era o centro absoluto do universo se espalhava pelo Velho Mundo, vi claramente que os portais da oportunidade humana cresciam assim como o ego de alguns imundos e tolos nobres europeus. Cruzava o continente da Europa em busca d’aquilo que me completasse. Presenciei várias descobertas e avanços científicos. Estava lá, quando Galileu disse: “No entanto... Ela gira!”. Sutil e verdadeiro, um homem de valor para a humanidade. Pena que não sabiam disso. Fui um Templário também, dentro dos devaneios de minha mente ainda me lembro daqueles tempos. Para os que sempre moldaram nossa forma hipocritamente longe da Cruz do Cristo isso é, realmente, um chute nos culhões. Eu sei, eu estava lá quando Ele foi crucificado... Fui transformado bem antes disso... Por Caim.

Morei em Gomorrah sem compartilhar de certos atos imbecis de meus conterrâneos. Talvez, por isso, tenha presenciado sua destruição por ordem divina. Quer saber? Ele estava absolutamente certo. Está certo até mesmo quando se lê: “... Arrependeu-se Deus...”. Ele é inefavelmente correto, o que não O impede de arrepender-se do que quer que seja.

Enfim, quando eu soube que uma expedição partiria de terras espanholas financiada pela coroa inglesa, comandada por um navegador espanhol, um sonhador chamado Cristóvão Colombo que dizia que a Terra era redonda, e não era uma camada de terra plana sustentada por elefantes, que ficavam sustentados por uma enorme tartaruga erguida por um gigante... Humanos, quando vão evoluir?! Enfim, descobririam que o planeta não era assim?! Hipócritas cretinos! Quando vão olhar para o espírito e para o Universo e descobrir que eles são como são, e não como vocês querem que eles sejam?!... Bem... Isso é mais um de meus devaneios um tanto quanto revoltados, um desabafo de minha alma andarilha.

Continuando... Vi uma oportunidade grandiosa naquele sonhador. P’ra confessar... Fui eu quem convenceu a rainha de que Colombo era confiável... Afinal de contas, eu era uma espécie de “conselheiro” noturno da rainha da Inglaterra. Eu conhecia os escritos antigos de Enoch, e já sabia que a Terra era redonda.

Eu queria e sabia que deveria embarcar n’aquela empreitada mercantilista e descobrir uma nova vida. Lembro que pensei no quão diferente seria a noite d’aquele lugar propenso a ser descoberto... Achei até que encontraria meu fim se fosse um pedaço do paraíso... Mas minhas idéias perdiam-se no imenso e infinito crepúsculo de minhas noites. Providenciei para que meu caixão fosse embarcado sorrateiramente em uma das caravelas. Fui muito generoso com o marujo que me ajudou, paguei-o muito bem... E deixei-o viver. Escolhi embarcar em Santa Maria. Santa caravela que carregaria meu leito de sangue e morte.

Apesar de ter servido a Cruz da Razão Verdadeira, minha felicidade morreu quando morri para vida. Na verdade, depois de refletir muito sobre o que me teria feito servir a ordem Templária fundada por José de Arimatéia, cheguei a conclusão de que eu queria me segurar em um motivo para existir. A tristeza tomou conta de minha mente, mas aprendi a grande diferença entre “Viver” e “Existir”, e vi que todos passam por isso... Mais cedo ou mais tarde.

Embarquei clandestinamente na santa caravela como morcego. Estranhei que não estranhassem minha presença, escondi-me muito bem durante o dia. Escondi-me do Sol e de olhares curiosos. Escondi-me dentre a tripulação faminta. Escondi-me dentre a carga. Alimentei-me de sangue de ratos. Saciei meus desejos e necessidades com sonhos e esperança. Estanquei minha fome pelo medo de não ser digno de pisar em solo sagrado. Sim, esse gélido coração que não bate mais em meu peito ainda pôde ser alimentado por esperança e sonhos mortais.

Era 1492, um ano difícil, uma viagem atribulada, a tripulação agitada se perguntava sobre as intenções egoístas de Colombo. Rezei para que Deus o ajudasse. Sim, eu rezo... E acredito em Deus... Gomorrah e Sodoma, lembram-se? O mar morto está aí, não é mesmo? Mas, voltando... Aquele corajoso sonhador, aliás, o que seria do mundo sem seus sonhadores? Aquele nobre e ambicioso espanhol precisava de auxílio divino para continuar vivo. Para evitar um motim eminente.

Não demorou muito para vir uma resposta, e ela foi: “Terra à vista! Terra à vista!”. Um milagre a um passo do paraíso. O que se esperar? O penoso foi ver no que se tornou aquele pedaço do céu que me aceitou... Embrenhei-me na mata... Saciei minha fome de sangue humano... Comuniquei-me com os nativos... Procurei meu subordinado e levei meu leito até o soturno daquela selva, quando Qisuke, o Deus criador para aquele povo, estendia o seu grandioso manto de trevas sobre os céus.

Vi a corrupção humana destruir aquele local aos poucos... Estraçalhar aquela raça vermelha com o fel de sua loucura imperialista... A tristeza por aquele povo consumiu-me violentamente... Estraçalhei vários pescoços pelas almas dos inocentes que tinham ido... Dos inocentes que me acolheram... Que puderam, por um momento, me dar paz. Os europeus ficaram confusos e amedrontados com o que estava fazendo, e para acalmá-los, os nativos colocavam a culpa nos espíritos da natureza. Diziam que eles estavam enfurecidos pela corrupção que havia chegado até ali oriunda do Velho Mundo. Por mim, teria acabado com todos, um por um e dado seus corpos ao mar e para algumas tribos antropofágicas, mas um Shaman, um velho amigo, em toda sua sabedoria disse-me que os espíritos anunciavam uma grande e dolorosa mudança pr’aquele mundo, e que sendo assim, não deveria interferir... Voltei a minha consciência e embrenhei-me na mata com meu caixão no ombro... E caminhei... Por dias... Anos... Alimentando-me de nativos e animais. Até chegar, no que hoje é conhecida como América do Sul... Brasil... Bahia... Porto Seguro.

Vocês já sabem... Depois dos Espanhóis... Uma expedição partiu de terras portuguesas, comandada por Pedro Álvares Cabral, com a desculpa de encontrar um novo caminho para as Índias - desculpa porque a coroa portuguesa achava mais prudente encobrir a existência de tais terras aos demais nobres europeus pela submissão que Portugal tinha em relação aos outros países do continente... Eu sei... Fiquei sabendo... A bela dona de um dos pescoços mais macios que passaram por minhas presas me confessou antes de nos deleitarmos do néctar lascivo de Afrodite.

Cabo da Boa Esperança?... Terra de Santa Cruz?... Missas?... As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá?!... Cretinos! Os pescoços que aqui cortamos, não cortamos como lá! Seria bem melhor... Seria mais verdadeiro, não é?

Mais anos se passaram... Não precisava me esconder nas matas e ser encobertos pelos nativos. Minha alva pele não era estranhada por aquela gente. Eram portugueses. Sempre foram um tanto quanto desligados. Sua submissão aos outros povos da Europa era uma prova incontestável disso.

Fiz algumas amizades, e acompanhei algumas expedições... Para controlá-los, é claro! Dentre elas, as que subiram o litoral da costa brasileira para expulsar os invasores. Finalmente tinha alguma coisa em comum, com os primeiros invasores. Tivemos sucesso. Fundaram-se vários Fortes litorâneos, e, eu me apaixonei por... Belém. Bem... Esse nome me lembrava Jesus de Nazaré, e pra mim... Era um sinal... Poder nascer numa terra com o mesmo nome da terra que acolheu o berço Salvador, e como ele, meu nascimento também foi acompanhado por animais... Um estábulo na Palestina... Numa simplória manjedoura... Na floresta amazônica... Sob a terra pantanosa às margens da baia do Guajará.

Entendi o meu destino... Minha sina... Minha benção... Minha maldição... Aprendi que o mais importante não é quantas vezes se morre, ou se erra, e sim quantas vezes você é capaz de renascer melhor por dentro. Aprendi que não se pode conhecer a verdadeira luz sem antes saber o real significado de trevas. Vi o quanto as pessoas podem amaldiçoar tudo o que lhes acontece... Vi, se bem que não gostaria de ter visto, o quanto as pessoas acham que valem suas vidas.

O homem é frágil e egoísta. De certo é pelo seu esquecimento a humanidade esteja atrasada e amargosamente ferida de morte, prova incontestável disso é que, se não fosse assim civilizações antigas como Lemúria, Atlântida e Khimer Ankhor jamais teriam sido esquecidas. Suas culturas teriam sido incorporadas pela civilização de hoje. Assim o mundo tornar-se-ia realmente maduro e belo e não essa besta deformada que está aí hoje. O mais engraçado é que o segredo está no equilíbrio entre o egoísmo sentimental e a necessidade grupal que o homem possui em sua alma.

É bem mais fácil destruir, ou desistir, amaldiçoar, ou desesperar-se, no vocabulário humano, ao invés de construir e galgar algum degrau da escada da evolução e do aprendizado da vida com algum ensinamento que lhes foi passado em forma de descontentamento e agonia. Desta forma, a mais triste e penosa de todas as lições é ter que conhecer um homem que não conhece a si mesmo, e agüentar as asneiras oriundas de pessoas que acham que o “Todo Universal” se resume à imundícia iludida de suas mentes. Bem... Mas isso é só mais um de meus devaneios... De minhas tristezas solitárias... Tristezas de um inerte coração milenar solitário...

Belém tem um ar especial... Utópico... Mesmo no centro da cidade. Sinto-me seguro no meu Pub. Abrimos de noite. Fechamos de dia. Até o nome deixei que meu “sócio” escolhesse... “Lord Sun”. Interessante? Também acho. Bem, vou dormir agora. O sol já está quase p’ra sair. Vamos trocar de turno? Você sobe... Eu desço? Irônico? Eu não acho. Vocês acham que nós sonhamos?

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Linda e Bela

Veja a Lua estrelada refletida o Sol,

Entupida de desejo e coberta de carinho.

Veja a bela dama que corre aos lindos sorrisos pelos céus,

Dividindo conosco sua tão abençoada luz.

Escute o silêncio que se estende pela Terra,

Linda e bela na qual almas humanas reluz.

Veja a escuridão por detrás dela, linda e bela,

A qual o universo inteiro conduz.

Calmaria e lisonjeiros temperos de beijos arteiros

Aquecem e conduzem corpos sobre a superfície da Terra

Numa valsa linda e bela seguindo o véu de singela dama eterna.

Inspirando o coral de mundos atrás de mundos,

Da escuridão verdadeira, doce e terna.

Veja a valsa doce e singela que estrelas sobre o véu

Escute os risos de lindas e de belas que nos encantam pelos céus.

Mesmo o dia pela Terra inda vela noite eterna

De amantes e poetas que em cometas arreiam celas

E no infinito se deleitam.

Salve linda e bela Noite que em seu ventre me geriu!

Salve rainha deusa inefável que pelas mãos do Criador surgiu!

Linda motivação de Tudo, Noite adornada como ninguém!

Bela luz verdadeira, Noite mãe que encobriu naquele dia Belém!


DelTony. (28/05/2008)